quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Histórias da Resiliência Angolana

Não sou um expert neste mundo virtual, somente sei o básico. Tampouco sou um especialista nas relações humanas, nem acostumado a escrever casos ou estórias. Hoje sei que gosto de ouvir histórias, causos, de preferência ditos por gente do povo, onde a falta da polidês intelectual deixa-nos mais a vontade para entender. A estes casos pretendo dar forma agora neste tímido blog, dando falas a gente comum, seres humanos sofridos que tiveram a triste sina de nascer em solo africano, de serem pobres, negros, terem vivido em uma época de guerras, e de muita dor. Minha experiência com este povo não é muita, mas teve um começo prematuro pra mim, que aos 24 anos vim trabalhar nas terras angolanas, em plenos idos de 1985, em plena guerra civil angolana. Hoje enxergo que minha sina, minha passagem por esta vida me remete a este lugar, a este país, este povo, pois volta e meia minha vida profissional me traz aqui de volta. Foram várias etapas: 85 a 90, 91 a 92, 89 a 2000, e agora (2009...). Todas elas marcadas por sorrisos alegres e lágrimas, por despedidas e reencontros, por guerra e paz. Para falar destes momentos é que me dispus a escrever, não com a intenção de ser lido, mas puramente pra extrair da alma aquilo que tanto me marcou, e marca: a dor, as mazelas e as alegrias de ser africano, pobre, sobrevivente, resiliente.

Passo a contar, desde já com diversos interlocutores, pessoas normais, do povo, com histórias marcantes e profundas, que enquanto eu cá estiver irei postar, dolorosamente as vezes e prazerosamente noutras.

Maria, a sobrevivente.

Maria Lwomba, este é seu nome. Mulher dos seus 40 e poucos anos, forte em espírito e em seu físico. Maria é vendedora de rua. Vende brinquedos e alguns itens de utilidade doméstica, trabalhando por 10 a 14 horas por dia, em uma rua movimentada de Luanda. Tem 2 filhos, o que é bem pouco para as mulheres angolanas. Não tem esposo, talvês nem sequer tenha tido, mas é bonito dizer que tem ou teve um. A conheci quando tive que comprar uma boneca para presentear uma menina de 2 anos, vizinha de onde moro, linda, por nome Providênca, que virá a ser outra história. Maria é do Bié, provincia ao sul do país, e veio a Luanda aos 4 anos, fugida da guerra. Em sua Buala (senzala) viu a Unita chegar, e os homens maus tomarem para sí os meninos pequeninos, para se transformarem em soldados precocemente. Foi lá que perdeu toda a família, primeiro sua mãe, que depois de servir aos homens sexualmente foi decapitada em sua frente. Maria lembra-se de não poder chorar, proibida pelo pai. Seu irmão mais velho, acusado de ser do MPLA teve que cavar sua própria vala, e após entrar nela e ter a terra a cobrir-lhe até o pescoço, receber uma salva de tiros no corpo. Os ferimentos o mataram após algumas horas, mas todos da buala tiveram que presenciar a morte de um delator, que na verdade era um pobre camponês que nem sabia a diferença entre um lado e outro.
Todos forma aos poucos morrendo, assasinados, por fome, por doenças. A vida quiz que a pequena Maria sobrevivesse, e fosse cuidada em sua jornada longa até as mãos amorosas de sua salvadora.

Bem, continuo depois.

Abraços

Um comentário:

  1. Pai, amei teu texto, está bem narrado,voce escreve muito bem. A sua ida para Africa tem propósito direcionado por Deus. Deus venha ser o Senhor da tua vida. shalo.poly

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