sexta-feira, 12 de março de 2010

A barbearia, o velório e a festa

Próximo onde fico hospedado em Luanda existe uma barbearia. É em uma esquina movimentada no bairro do maculusso, onde grandes vitrines de vidro deixam tudo o que está lá dentro a mostra. É um lugar movimentado, sempre cheio de clientes atrás de um novo corte de cabelo, um novo modelo de barba, enfim. Nunca tinha percebido como são várias as opções de cortes de cabelo e barba para o público afro masculino. Nas paredes existem várias fotos de modelos, assim como livros dispostos nas mesas, que permitem um imenso leque das mais variadas opções em moda. Meu corte é sempre o mesmo, máquina 1. Meu barbeiro, um jovem chamado Jonas sempre me pergunta se não quero variar um pouco, talvez um estilo mais arrojado no desenho da barba, ou então um novo modelo para o cabelo que me resta, algo assim mais gira, entende?...Nunca aceito, por razões óbvias de seriedade com meu estilo caucasiano de meia idade.

Nesta semana estranhamente o salão ficou fechado por dois dias. Como está sempre iluminado internamente a noite, fiquei alí observado por alguns momentos sem entender o que se passara. Cabelos cortados no chão, máquinas dispostas por todo lado, shampoo, panos, toalhas. Tudo disposto como se tivessem saído as pressas e deixado o salão as moscas... Foi quando um rapaz que dizendo ser segurança me reconheceu como cliente e prontamente me disse:

- O pessoal todo foi pro velório, chefe
- velório? pergunto eu, de quem? algum dos funcionários?
falei isto e instintivamente pensei em Jonas, pois afinal morre-se muito facilmente nesta cidade, vítima de doenças várias, como o paludismo, cólera, e outras mazelas tão comuns...
- não chefe, me responde o rapaz. Morreu o tio do Pedro, tio mais velho, motivo de doença mesmo. Morreu em casa dele, a família tava a fazer o óbito e todos trabalhadores do salão foi pra festa em Viana.

Me lembrei de como são os velórios nas culturas tradicionais angolanas. Eu mesmo já tinha ido em alguns. Amigos, familiares e convidados em geral se reunem na casa do falecido, e entre cantoria, comidas e bebidas celebram o passamento do infeliz. A depender da condição financeira da família e o grau de respeito do falecido na sociedade as festas podem durar dias. As pessoas largam seus afazeres, trabalho, escola, porque neste momento o que mais importa é celebrar o passamento do dito cujo. Existe o choro das carpideiras de sempre, como em nossos velórios no Brasil, mas por alguns instantes as pessoas se voltam para as comidas, as bebidas e dançam. Dançam muito, musicas típicas, alegres e tristes.

É uma forma muito antiga de lidar com a morte, esta presença tão constante nas vidas das famílias africanas. As origens desconheço, mas são muito antigas. Reconheço no entanto que no fundo a morte representa um descanso maior do que fora a vida, tão dura em seus mais diversos aspectos. Os poucos elementos de felicidade representados nesta vida africana estão bem representados no velório tradicional: a alegria de rever os conhecidos e parentes em conversas que celebram os feitos do morto, o prazer representado pela comida, tudo muito bem feito com o trabalho árduo das mãos caprichosas das mulheres, a alegria da dança, que representa tão bem o amor, fala de esperança, fala de sentimentos...Este símbolos estão aí, nestes dias de festa, talvez querendo dizer ao falecido que mesmo neste momento de dor ele pôde proporcionar mais um momento de alegria ao vivos, desta vez com a sua morte.

Abraços e até a próxima.

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